A resposta a pergunta que expressa o título parece ser simples, uma vez que não há palavra mais correta do que o "sim" para dar conta do problema que ela encerra. Porém, este não deve ser um “sim” qualquer.
Se tomarmos como base deste "sim" a história e as lutas em que as populações negras historicamente estiveram e estão envolvidas; as violências das quais elas foram e vem sendo alvo e objeto, este “sim” deve vir acompanhado de muitas exclamações e ser enfatizado até a sua última potência.
Todavia, isto ainda não é suficiente, pois, mesmo que a frase anterior venha acompanhada de um “historicamente” que busca dar-lhe um conteúdo empírico todo significativo, ela não deixa de guardar um sentido bastante abstrato. Assim, se ampliarmos a pergunta e a estendermos a outros segmentos populacionais, não só as vidas negras, a resposta continuaria a ser um redondo e retumbante SIM.
Nessa toada, de uma perspectiva mais terra a terra, mais concreta, a ênfase da resposta também pode variar a depender de que grupo social, étnico ou classe a que a pergunta é dirigida (vidas brancas, femininas, indígenas, burguesas, nobres, masculinas, infantis e assim por diante). Em outros termos, na vida vivida em sociedade o "sim" pode adotar diferentes matizes.
Em síntese, todas, ou para ser mais preciso, uma parte significativa das pessoas do mundo entendem que todo e qualquer tipo de vida humana “importa” e deve ser respeitado. Caso esteja enganado, uma vez que não tenho o recurso de usar algum dado estatístico para comprovar a afirmação, parto do pressuposto que, pelo menos teoricamente, a maior parte da humanidade acredita e entende que toda forma de vida importa, inclusive as não humanas.
Contudo, fatos recentes e do passado estão aí a nos dizer que no mundo real, das relações sociais, na vida efetivamente vivida, em determinadas situações e contextos a vida pouco importa. Portanto, para complementar o "sim" apresentado inicialmente como resposta a pergunta que está no título, é preciso se levar em conta que este “sim”, quando usado de forma isolada, porta uma espécie de “ruído oculto”.
Uma verdade que a afirmação “vidas importam!” esconde e que a pergunta “vidas impotam?”, a depender de como é respondida, pouco permite avançar. Mais precisamente, quando a resposta se encerra no "sim", quando ele não é problematizado e contraposto a situação de cada vida e de cada vivente. Nessa circunstância, o "sim" se transforma ou é transformado em um absoluto. Começa e termina em si mesmo.
Mas qual é a verdade oculta que o "sim" esconde?
Em termos históricos, trata-se de uma constatação feita nos idos do século XIX e que vem sendo repetida desde lá até aqui. Entretanto, ainda não conseguimos alcançar os seus verdadeiros significados.
Mas qual é esta constatação?
Ela é simples, contundo de difícil assimilação, ou melhor, que é difícil de ser assimilada porque existe toda uma estrutura estruturada e posta em funcionamento para que a verdade que ela carrega não alcance seus significados mais radicais e transformadores. Mas, em suma, que diabos de verdade é essa? É a que nos diz que, no capitalismo, vidas efetivamente não impotam ou, para ser mais preciso, no capitalismo algumas vidas impotam mais do que outras.
Nessa linha, quando o "sim" absoluto e absolutizado é contraposto a dinâmica da realidade, da vida vivida em sociedade e dos conflitos que a caracterizam, descobrimos que a resposta é mais complexa e que o "sim" por si só não dá conta de captar os significados mais profundos que estão contidos na questão.
Tudo isso nos diz que a resposta definitiva ao problema que está expresso na pergunta inicial é a de que no capitalismo algumas vidas efetivamente não importam.
Por sua vez, enquanto continuarmos agindo na busca de melhorar o sistema, na esperança de que essa melhora venha a garantir que todas as vidas sejam definitivamente respeitadas em seu devido valor, o qual não pode ser contabilizado monetariamente como se faz no capitalismo, vidas negras, femininas, infantis, enfim, a vida dos trabalhadores e trabalhadoras em geral (que hoje em dia vem sendo chamados de “colaboradores”), a vida da maior parte dos viventes do mundo, continuará valendo o suficiente para serem cotidianamente exterminadas para que outras poucas vidas vivam a plenitude da vida.
Por vezes, é difícil respirar!
Man - Steve Cutts
ESCRITO POR:
Marcio Antônio Both da Silva
Professor de História
Notas Intempestivas
Série de textos abordando temáticas gerais, invariavelmente assuntos contemporâneos, que buscam demonstrar uma visão crítica sobre alguns acontecimentos.