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  • Foto do escritorNelson Neto

A vida por outros caminhos. Travessia do Paraná - 2º dia

Atualizado: 9 de dez. de 2020

Meia hora depois, mais uma situação embaraçosa. Dessa vez, escuto um barulho de ferro, estavam mexendo na bicicleta, o barulho era nítido, pois a Magrela estava presa do lado da barraca sobre uma barra de ferro. Foi o suficiente pra eu perder a paciência, muito nervoso, abro a barraca e me vejo diante de um rapaz querendo abrir o cadeado que prendia a bicicleta. Sem pensar duas vezes engrosso a voz para intimidar a pessoa.




Pedalando por aí


Hoje vamos conhecer o segundo dia de viagem do cicloturista Nelson Neto em sua Travessia do Paraná. Muitas emoções fizeram parte desse dia, mas como nos outros, vários aprendizados foram feitos.


Vamos ao relato.


Boa leitura!


 


Travessia do Paraná: o segundo dia na estrada


Esse foi um dos dias de maiores surpresas durante a viagem. Meu corpo sentiu a distância percorrida no dia anterior, sobretudo, em razão das subidas e pelo vento contrário, que continuava. Não por acaso, o ritmo permaneceu baixo, fazendo com que meu plano inicial de quatro dias até a capital ficasse cada vez mais distante.


Se por um lado a altura diminuía o ritmo, aumentava a beleza. Estava impressionado com os vales formados no horizonte, onde as plantações extensivas davam lugar a mata fechada. Uma outra reflexão sobre o fato de subir constantemente, foi aquela que parece óbvia, mas que é sempre válido lembrar sob essas condições, quase sempre existe uma descida após o término da subida. E infelizmente o inverso se constatava.




Com o giro do pedal em um ritmo mais tranqüilo, não consegui pedalar muito durante o dia. Na hora do almoço, o local escolhido para fazer a parada foi em um restaurante alguns quilômetros antes de chegar em Laranjeiras do Sul. A canseira era aparente, mesmo faltando alguns metros para chegar ao estabelecimento, tive que fazer mais uma pausa na estrada, para recuperar as forças e superar outro trecho de subida.


Não é exagero, a BR 277 é marcada em quase sua totalidade pelas subidas constantes.


Hidratado e sem opções, o jeito foi seguir até o restaurante. Lugar simples, mas a comida boa e barata era mais do que eu precisava. Minha pausa foi de aproximadamente uma hora. Não estava acostumado a ficar muito tempo descansando, embora muito cansado.



Laranjeiras do Sul - Paraná


Na estrada, mal poderia imaginar o que estava reservado naquela tarde daquele sábado. Quem viaja de bicicleta, sabe muito bem que nem tudo é fácil e os momentos de dificuldade existem e não são poucos. Conscientemente ou não, isso acaba mexendo com o ânimo de cada um. Essa é a questão psicológica que citei anteriormente.


Eu já não estava muito animado com a existência das subidas e do vento. Mas no trecho entre Virmond e Cantagalo meu psicológico ficou ainda mais abalado. Durante toda a viagem presenciei o total de cinco acidentes até a Serra do Mar. Mas quase chegando em Virmond em uma curva no final da descida percebi a presença de algumas pessoas no acostamento.


Virmond - Paraná


Reduzi a velocidade da bicicleta e resolvi ver o acontecido. Atravesso a pista e do outro lado, olhando para baixo havia um despenhadeiro e infelizmente um carro com as rodas para cima. Era um Gol que passara por mim alguns minutos antes, o motorista havia perdido a direção na curva e acabou saindo da estrada, caindo no barranco.


Soube que duas pessoas estavam no interior do veículo, infelizmente uma delas não resistiu aos ferimentos e acabou falecendo no local. No instante que chego no lugar, a funerária estava descendo o caixão até o corpo. A outra pessoa já havia sido resgatada e levada para Virmond.


Se não me engano, esse foi o terceiro acidente que avistei desde o inicio da viagem, mas talvez tenha sido o que mais mexeu comigo. Mostrava como era necessário ter o máximo de atenção na estrada e também como a vida é frágil e que devemos valoriza-la em todos os minutos, aproveitando cada instante, pois em algum momento será a última oportunidade de respirar.


O resto da tarde foi de reflexão e melancolia. Sinceramente mal esperava a hora de parar, poder descansar e começar um outro dia. Contudo, uma nova situação ocorreu e me deixou chateado. Minha blusa de frio e um boné foram perdidos na estrada. Estavam presos sobre a mochila no bagageiro. A perfeição do acostamento na 277 acaba quando começam as lombadas em alguns trechos, são obstáculos no acostamento a uma distância de quase 50, 70 metros um do outro.


Geralmente presentes nas descidas, essas lombadas de pequeno porte fazem a velocidade diminuir drasticamente, pois sair do acostamento e pedalar na pista é algo muito arriscado e com os acontecimentos daquela tarde, eu não estava nada disposto a fazer isto.


Com o impacto das lombadas o boné e a blusa caíram e eu não percebi, quando notei até retornei um pequeno trecho procurando, mas sem sucesso. Neste momento você pensa, o que é perder alguns objetos em comparação à vida. Então não deixei que essas perdas me deixassem ainda menos animado. E o dia ainda prometia muito.


Com os míseros 106 km’s chego em Cantagalo, estava quase escurecendo, mas ainda havia luz na estrada, dava pra pedalar por mais algum tempo, mas avistando um posto quase na entrada da cidade faço uma pausa para observar o local e ver as condições para montar acampamento.


Cantagalo - Paraná


Conversei com um funcionário de uma borracharia paralela ao posto. Com a sua permissão, passaria a noite atrás da borracharia. Um local que parecia escondido e assim eu poderia descansar tranqüilo. Barraca montada, bike trancada, vou jantar na lanchonete ao lado, apenas faço um lanche pra não dormir com a barriga vazia.


Conforme as horas iam passando, o movimento na rua atrás do posto começou a ficar mais nítido e o som de motos, carros e um trio elétrico são perceptíveis aos meus tímpanos. Todo esse som vai ficando cada vez mais alto e já dentro da barraca, tentava dormir, mas com o barulho ficava muito difícil. Ouvindo o locutor, descobri que era um evento de motociclistas, desses que fazem manobras especiais na rua, pra minha ‘sorte’, o local era bem ao lado de onde eu esperava descansar tranqüilo.


O lugar onde eu estava era coberto, mas abandonado e estava muito sujo, por isso achei que ninguém apareceria, por precaução ao lado da barraca, tranquei a bike em uma estrutura de metal que estava no chão. Novamente não consigo firmar o sono e tenho apenas alguns cochilos.



Durante a madrugada ouço vozes e fico desconfiado, o que aquelas pessoas estariam fazendo próximas à barraca? Fico apreensivo dentro da barraca tentando ouvir o que eles conversam. As vozes ficam cada vez mais próximas, quando compreendo um deles falando que havia achado um óculos. Fico paralisado e pensando onde eu havia colocado os meus, ouço as pessoas indo embora e no mesmo instante faço uma busca na barraca e não acho meu óculos azul.


Lembro-me que ele havia ficado do lado de fora da barraca, saio imediatamente e não o encontro. Sim, o rapaz havia levado meu objeto, ainda visualizei os indivíduos, estavam em um grupo de quatro e se afastando de onde eu estava. Sozinho, não estava louco a ponto de tirar satisfação, principalmente quando eles aparentavam estar embriagados. Fiquei triste em perder um item que comprara recentemente e que tanto tinha sido útil durante a viagem. E a noite ainda não tinha terminado.


Aproximadamente uma hora após o primeiro episódio, ouço novamente vozes próximas a barraca, e penso: voltaram para pegar mais alguma coisa, só pode ser. Na verdade foi uma confusão que não entendo direito o que aconteceu. Parece-me que mais duas pessoas voltaram pra esconder uma bicicleta que não era a minha. Neste instante fiquei atento em relação à minha Magrela, sem ela não existiria mais viagem.


Essas pessoas aparentemente deixaram essa bicicleta em algum lugar e foram embora. Passado alguns minutos, ouço passos, mas nada além disso. No entanto meu coração neste momento batia aceleradamente, em um ritmo de quem acaba de competir uma prova de ciclismo. Não preciso nem dizer que depois de tudo nem tentei dormir, seria em vão.


Meia hora depois, mais uma situação embaraçosa. Dessa vez, escuto um barulho de ferro, estavam mexendo na bicicleta, o barulho era nítido, pois a Magrela estava presa do lado da barraca sobre uma barra de ferro. Foi o suficiente pra eu perder a paciência, muito nervoso, abro a barraca e me vejo diante de um rapaz querendo abrir o cadeado que prendia a bicicleta. Sem pensar duas vezes engrosso a voz para intimidar a pessoa.


Isso teve resultado, o cara se assustou e tentou argumentar algo, mas não deixo ele falar e começo a perguntar o que ele estava querendo fazer com a minha bicicleta. Ele, atônito pela minha presença se levanta e me pede desculpa, achou que era a bicicleta que tinham deixado minutos antes. Digo, sem meias palavras, que não, esta era a minha e complementando digo que já vieram pegar aquilo que ele estava procurando.


Enquanto ele se afastava, resolvo perguntar sobre meu óculos ao lado da barraca, pois identifiquei que ele era uma das pessoas que estava no grupo da primeira ocasião. Surpreendentemente o jovem menciona algo que não pude acreditar, questionou, qual barraca? Aponto para a minha e digo, essa. Responde que não havia barraca alguma no local. Sem querer prolongar o dialogo, não falo nada e o individuo vai embora.


Que noite!


Depois de todos esses episódios, se tirei um cochilo foi muito, lembro que pessoas também estavam ouvindo som em seus automóveis no posto de combustível, infelizmente foram parar somente quando eu estava arrumando minhas coisas para seguir viagem. Pelo menos eu estava prestes a estar novamente na estrada.


Essa foi a única ocasião em que este tipo de situação aconteceu comigo em todo o tempo em que pedalo. Este relato foi escrito quase três anos após o ocorrido e, nesse tempo, realizei inúmeras outras viagens, inclusive para o exterior. A lição que ficou da experiência é: "procure escolher bem o lugar para o acampamento, sobretudo, quando estiver sozinho". Por fim, antes de se deitar, verifique se algo não ficou para fora da barraca.


Ou, como diz o ditado popular: "prevenir é melhor do que remediar".


 

Na próxima semana a terceira parte dessa história, não perca!


 

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ESCRITO POR:

Nelson Neto

Cicloturista e Historiador


Escritas de Si

Escrever sobre si nunca é tarefa fácil. Este espaço do Desinsubstancializando tem como foco oportunizar um lugar para que seus leitores e participantes relatem suas experiências e trajetórias de vida.



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