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Histórias de um adicto em recuperação - final

Sempre tive amor, recebi e dei amor – aos meus familiares, namoradas, amigos e amigas. Sempre tive muito afeto, carinho e sou sentimental. Hoje não me envergonho mais disso – apesar de pensar que, muitas vezes, admitir isso nos dias de hoje soa banal, fraco e patético.


Incrível


Eu expulsei as pessoas certas

E deixei as erradas entrarem

Tinha um anjo da misericórdia que me via através dos meus pecados


Houve tempos em minha vida

Em que eu estava ficando louco

Tentando superar

A dor


Quando perdi o meu controle

E atingi o chão

Sim, pensei que pudesse ir embora, mas não consegui sair pela porta


Eu estava tão doente e cansado

De viver uma mentira

Que eu desejava

A morte


É incrível

Num piscar de olhos você finalmente vê a luz

Oh, é incrível

Quando chega o momento, você sabe que vai ficar bem

Yeah, é incrível

E estou fazendo uma oração pelos corações desesperados esta noite


Aquela última tentativa são férias permanentes

E quão alto você pode voar com asas quebradas?

A vida é uma jornada, não um destino

E simplesmente não sei o que o amanhã trará


Você tem que aprender a engatinhar

Antes de aprender a caminhar

Mas eu simplesmente não aguentava toda aquela lição de moral


Eu estava nas ruas

Apenas tentando sobreviver

Me virando para continuar vivo


É incrível

Num piscar de olhos você finalmente vê a luz

Oh, é incrível

Quando chega o momento, você sabe que vai ficar bem

Oh, é incrível

E estou fazendo uma oração pelos corações desesperados esta noite


Corações desesperados

Você quis ficar de fora e se render agora?

Oh, é incrível!


Então, de todos nós do Aerosmith

Para todos vocês, onde quer que estejam

Lembrem-se, a luz no fim do túnel

Pode ser você

Boa noite


Com esta letra, composição de Steven Tyler, indicada por uma leitora que acompanhou os relatos de nosso protagonista, o Desinsubstancializando apresenta a parte final dessa longa história. Vale lembrar que Tyler compôs estes versos para retratar sua dependência e os significados de "voar com as asas quebradas".



A leitura, senhoras e senhores, a leitura!


"O vocalista do Aerosmith se emociona ao cantar para os amigos na clínica para tratamento da dependência química na qual esteve internado. A arte traduz a vida! It's amazing!"


 

“Amar e mudar as coisas me interessa mais”



Vida Adulta


Voltando à minha trajetória de vida. Depois de 2007, terminei o mestrado, com nota máxima. Observem, um “drogado” foi o melhor em tudo que fez, mas, precisa estar em abstinência e em recuperação. Quero afirmar que as salas dos Narcóticos Aônimos estão cheias de pessoas que são extremamente competentes naquilo que desempenham. Como a adicção não escolhe classes sociais, há um sem-número de grandes profissionais, pais, amigos, enfim, grandes seres humanos que, sem as drogas, são pessoas amáveis, responsáveis e competentes naquilo que fazem.


Em relação a mim, comecei a trabalhar como professor temporário na rede estadual de ensino, em 2008. Em 2009 passei em um teste seletivo para trabalhar como colaborador no curso de História da universidade em que me formei e fiz mestrado. Em 2011 nasceu meu filho mais novo. Em 2012, passei no primeiro concurso para professor de História e fui aprovado no doutorado. Em 2014, comprei minha casa e carro. Em 2015, outra aprovação em concurso. Em 2016, término do doutorado.


Em resumo, minha vida aconteceu quando eu estive em recuperação. A casa cheia de amigos, os filhos sendo criados, eu sem usar drogas… Mas, a vida acontece e, por desentendimentos, houve a separação da minha ex-companheira.


Neste meio, não consegui lidar com as emoções que me eram novas. Fechado, não procurei ajuda e a recaída se aproximava. Não demorou para esquecer o que havia dado certo por anos e voltar para o mesmo ponto em que parei, em 2007. Não usei mais crack – tamanho medo que tenho – mas continuei com as outras.



Passover - Joy Division


Muita tristeza, frustração, ressentimento, medo, insegurança e outros sentimentos me atormentaram durante três anos. Não conseguia ficar limpo. Minha inabilidade de lidar com os acontecimentos e como eles mexiam com meu emocional sempre me levaram de volta à fossa. Tentei dois internamentos neste tempo, um em 2018 e outro em 2019. Saia bem, mas os conflitos emocionais voltavam com mais força e recaía.


Em outubro deste ano (2020), depois de ter ficado cinco dias usando, sem dormir ou comer, e posteriormente levado à Unidade de Pronto Atendimento – UPA –, com uma infecção, ficando lá mais dois dias internado, resolvi buscar ajuda novamente. Minha família me ajudou muito para me encaminhar à clínica. Também, amigos verdadeiros me ajudaram.


Hoje consigo visualizar àquele período que fiquei limpo de volta comigo. Dias onde a paz, a felicidade e a alegria moravam junto a mim. Não sou inocente de achar que meus problemas acabaram. Todos temos problemas, conjunturais e estruturais, mas, como eu os enfrento é que faz toda a diferença para um adicto (como eu).


No mesmo sentido – e para finalizar –, volto à essência do relato. Quase todo o texto é composto de experiências com drogas. No entanto, deve ser lido, nas entrelinhas, que o que me movia para o uso de drogas foi quase que exclusivamente – à exceção do crack – minha inabilidade em viver.


Isto chama-se adicção!


Ela não é somente o uso de drogas, mas um conjunto de fatores, tais como não saber “levar” um não. Ter dificuldades em respeitar regras (principalmente as familiares, impostas por meus pais). A sensação de estar ameaçado ou desprezado todas às vezes que era contrariado, sentir medo sem saber do que, a sensação de inferioridade, enfim, uma soma de fatores emocionais.


A depressão era minha companheira durante os três anos recaídos. Aquela tristeza que somente quem passou sabe. A vontade de me matar, para sumir com a dor, é minha inabilidade em enfrentar a vida como ela se apresenta.


Hoje vejo que “eu estava tomando veneno para matar outra pessoa”… a pessoa errada. Nunca quis me matar. Queria aprender a viver de maneira fácil, que meus problemas sumissem como mágica. Esta é outra característica da minha doença. Sempre pegar o caminho mais fácil. Não sentir as emoções, sejam felizes ou tristes, mas anestesiá-las.


Note que usar drogas e ser um adicto a elas e as emoções não é fácil. Lidar com esta doença é tarefa homérica e talvez por isso tão poucas pessoas conseguem emergir do buraco (emocional) e visualizar o mundo como ele se apresenta.


Por fim, sim, amar e mudar as coisas me interessa mais, hoje, limpo, com a mente disposta a aprender coisas novas. Aceitar a vida como ela se apresenta – com seus altos e baixos, alegrias e tristezas. Respeitar minhas limitações, entender as diferenças, compreendendo que possuo medos e inseguranças e que estes são, assim como a coragem e a segurança, parte da vida cotidiana de todas as pessoas com um mínimo de humanidade.


Sempre tive amor, recebi e dei amor – aos meus familiares, namoradas, amigos e amigas. Sempre tive muito afeto, carinho e sou sentimental. Hoje não me envergonho mais disso – apesar de pensar que, muitas vezes, admitir isso nos dias de hoje soa banal, fraco e patético. Depois que fui pai meu coração dobrou de tamanho. Achava que teria que dividir o coração entre meus filhos, família, etc. O que aconteceu é que ele sempre “cresce” mais… Quanto mais pessoas para amar, mais ele cresce e abriga todos. Hoje, sou feliz sendo assim.


Um abraço apertado a todos e obrigado por chegarem até aqui. Se conhecer alguém que tenha dificuldades com drogas e/ou com as emoções, indique a leitura do texto. Espero que outras pessoas possam voltar a amar e, principalmente, voltar a se amar enquanto ser humano dotado de defeitos e qualidades… “normal” como qualquer outro “normal”.



 


 

Conheça a Unidade Maloca


 

ESCRITO POR:

Autor Anônimo



Escritas de Si

Escrever sobre si nunca é tarefa fácil. Este espaço do Desinsubstancializando tem como foco oportunizar um lugar para que seus leitores e participantes relatem suas experiências e trajetórias de vida.



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