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  • Foto do escritorMarcio Both

O que acontecia quando um piloto Kamikaze retornava?

Atualizado: 13 de nov. de 2020


Pilotos Kamikaze antes de seu "voo final"



O eurocentrismo nosso de cada dia


Hoje vou abordar alguns aspectos do texto “O que acontecia quando um piloto Kamikaze retornava?” de autoria de Calin Aniculaesei, publicado no sítio eletrônico Medium Daily Digest (www.medium.com), uma espécie de revista digital de história, que informa contar com cerca de 170 milhões de leitores espalhados mundo afora e que será objeto de visitas e revistas do espaço "Pop Ciência". O Medium é apresentado como uma página voltada a tratar de temas relativos a história, em que “as vozes de especialistas e desconhecidos mergulham no âmago de qualquer tópico na busca de trazer novas ideias à tona, sendo sua intenção também a de divulgar tais ideias para, assim, aprofundar a compreensão do mundo”.

Calin Aniculaesei diz ser estudante de filosofia, política e economia e, também, um “fanático por história”. Em outros termos, é um dos não especialistas que, seguindo a proposta do site, mergulha “no âmago de qualquer tópico na busca de trazer novas ideias à tona”. Nada contra isso, pois esta é uma das principais qualidades do Medium.

Na verdade, o autor até dá conta de apresentar respostas a sua principal questão, bem como em descrever alguns dos aspectos relacionados à existência dos pilotos Kamikaze. Dessa forma, como não se trata de uma tese de doutorado, mas de um texto publicado em um site da internet voltado a discutir e a publicizar temas da história, as respostas que o autor apresenta a sua questão principal satisfazem e, inclusive, geram certa curiosidade. Característica positiva, pois pode incentivar os leitores a buscar novos conhecimentos sobre o tema.

Ainda assim, há algo no texto que gera certo incômodo. Traço que fica muito visível na parte final da narrativa de Aniculaesei. Neste caso, ele traça algumas considerações que são carregadas de etnocentrismo. Entre outras coisas, apresenta o Japão como uma “ilha isolada” em si mesma, evoluída de uma suposta “civilização eremita”, em que a honra e o respeito ao Imperador estão ou estavam acima de tudo mais. Uma nação que na expectativa de vencer a guerra provocou uma série de crimes, sendo que isso, segundo o autor, tem relação com a circunstância de que a guerra faz aflorar o “pior da humanidade”.

Talvez essas considerações possam ter algum respaldo histórico, pois não sou um profundo conhecedor da história japonesa para me opor peremptoriamente a elas. Também não discordo totalmente da constatação de que a guerra tem uma capacidade ímpar de fazer o pior do humano vir à tona. Porém, gostaria de ler ao menos uma linha que desse conta de expressar que as outras nações envolvidas na guerra – que não têm uma “origem eremita”, que não são “ilhas isoladas”, que não se regem por governos imperiais e que são chamadas de “Repúblicas Democráticas” – cometeram atos tão desumanos e atrozes quanto os dos japoneses. Neste sentido, nunca é demasiado lembrar do Holocausto e de Hiroshima e Nagasaki.

Mas vamos ao texto de Aniculaesei


 


O QUE ACONTECIA QUANDO UM PILOTO KAMIKAZE RETORNAVA?

Texto de autoria de Calin Aniculaesei. Originalmente publicado na coluna “History of Yesterday” do site Medium.

Tradução livre do inglês para o português

O uso de pilotos Kamikaze pelos japoneses na campanha do Pacífico contra os Estados Unidos foi talvez a tática mais extrema já usada pelo Império do Sol Nascente para ganhar vantagem sobre o inimigo. Essa tática nasceu da necessidade de destruir os porta-aviões americanos que definiam o domínio americano no teatro do Pacífico. Estes porta-aviões, no geral, eram fortemente protegidos por caças de alta qualidade e por armas antiaéreas montadas neles próprios.

Durante a guerra, os caças japoneses não tinham condições de competir contra o armamento superior utilizado pelo inimigo e, portanto, uma nova maneira de atacar o coração da frota adversária precisou ser inventada. Essas circunstâncias deram origem à tática Kamikaze. Mas o que aconteceria se um piloto encarregado dessa tarefa vital falhasse em sua missão e voltasse?

PARA O IMPERADOR

A honra sempre desempenhou um papel importante na sociedade japonesa. Muitos daqueles que se voluntariaram para o corpo Kamikaze viam como uma honra morrer por seu país. Também se acreditava que a demonstração de honra e abnegação demonstrada por um piloto Kamikaze, voluntariamente sacrificando-se por seu país, teria impactos psicológicos massivos nas forças invasoras.

Ainda mais importante, os ataques Kamikaze eram muito mais precisos do que bombardeios. Eles permitiam que a Força Aérea Japonesa visasse os pontos fracos dos navios americanos. Tática muito mais eficiente do que o bombardeio tradicional e isso era vital para as já fracas e sobrecarregadas forças armadas japonesas.



USS Bunker Hill was hit by kamikazes piloted by Ensign Kiyoshi Ogawa (photo below) and Lieutenant Junior Grade Seizō Yasunori on 11 May 1945. Out of a crew of 2,600 on Bunker Hill, 389 personnel were killed or officially listed as missing and 264 were wounded. Courtesy of Wiki Commons

Muitas pessoas na sociedade japonesa admiravam os pilotos Kamikaze, uma vez que eram vistos como a última demonstração de lealdade ao Imperador. Em consequência, recebiam rações melhores durante o treinamento. Em contrapartida, eram submetidos a um duro treinamento e a uma rigorosa disciplina na preparação para seu último dia. Ainda assim, mesmo com toda essa preparação e zelo nacionalista, alguns dos pilotos tinham muito medo de realizar sua tarefa ou de suas aeronaves apresentarem falhas mecânicas durante seu "último voo", forçando-os a retornar ao Japão.

FRACASSO E DESONRA

Os pilotos Kamikaze que retornaram eram enquadrados em dois grupos distintos. Os que regressaram devido às condições climatéricas ou falhas mecânicas e os que voltaram por não terem conseguido desempenhar com sucesso a sua tarefa por motivos psicológicos. Cada grupo recebia tratamento diferente em seu retorno.

Os pilotos que puderam provar que retornaram da missão devido a condições fora de seu controle não foram punidos nem desprezados. Durante um estágio da guerra em que até mesmo os pilotos eram classificados como um recurso escasso, os japoneses não podiam perder um piloto Kamikaze bem treinado. Portanto, o regresso foi aceito e seu “último voo” remarcado, embora alguns não deixassem de sentir a “culpa do sobrevivente”, caso tivessem sido os únicos em seu esquadrão a sobreviver.


Para os pilotos que não conseguiam provar que haviam retornado por fatores fora de seu controle, o tratamento recebido era um pouco diferente. Embora não fossem imediatamente executados, eles receberiam algum tipo de punição, seja ela física ou mental. Essas punições não poderiam ser muito severas, já que o piloto tinha que estar pronto para outro voo, a ser realizado em algum momento no futuro. Dessa forma, a punição recebida não deveria prejudicar sua habilidade e capacidade de realizar a missão novamente. Entretanto, isso tinha limite, como aconteceu a um piloto que voltou 9 vezes de sua missão Kamikaze. Ele foi executado em seu nono retorno, por covardia.



Para combater os fatores mentais que poderiam impedir os pilotos Kamikaze de completar suas missões, algumas medidas foram implementadas. Geralmente voavam em esquadrões, pois isso aumentava a pressão entre os colegas e levava menos pilotos a não completarem a tarefa. Os pilotos também recebiam álcool antes de seu “voo final”, dando-lhes um pouco de “coragem líquida”.


Kamikaze pilot squadron having their final drink before their mission

Muitos acreditam que as aeronaves recebiam combustível suficiente apenas para chegar ao alvo almejado, mas isso não é verdade. Hoje sabemos que esses pilotos eram um recurso tão escasso que limitar a quantidade de combustível de suas aeronaves não os incentivava a realizar sua tarefa. Além disso, se ela não fosse cumprida por motivo mecânico ou climático, poderia afetar o retorno do piloto.

“Ao eliminar todos os pensamentos sobre a vida e a morte, você será capaz de ignorar totalmente a sua vida terrena. Isso também permitirá que você concentre sua atenção em erradicar o inimigo com determinação inabalável, enquanto reforça sua excelência em habilidades de voo”. - Trecho de um manual do piloto kamikaze

DESESPERO

Como sempre, a guerra traz o pior da humanidade, algo que não pode ser mais verdadeiro para os japoneses. Em uma sociedade, onde a honra e a subserviência ao imperador significavam mais do que a própria vida, táticas como usar pilotos Kamikaze ou fazer tanques suicidas de infantaria podiam ser justificadas e até celebradas pela população em geral, pois ajudavam no esforço de guerra.

O Japão cometeria muitos crimes de guerra desprezíveis durante a Segunda Guerra Mundial em sua busca para superar seus inimigos. Isso pode ser verificado nos experimentos realizados pela Unidade 731 e nas atrocidades cometidas na China continental em uma missão para aplacar a população rebelde.

O Japão é um caso interessante na história e permanecerá como tal devido à cultura única que a civilização eremita desenvolveu ao longo dos séculos de isolamento da influência fora de sua ilha. Estou ansioso para explorar mais a história deste país algum dia.


Ataque Kamikaze



 

TRADUZIDO E COMENTADO POR:


MARCIO ANTÔNIO BOTH DA SILVA

Professor de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)




Pop Ciência

Espaço destinado a publicar e divulgar textos sobre temas e questões históricas, tendo como foco principal a Popularização do conhecimento científico, especialemnte na área de humanidades.

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