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Das ocupações: ou sobre como combater autômatos

Atualizado: 28 de out. de 2020





O sentido das ocupações nas escolas e para as escolas

“A quem a escola pertence?” foi com esta pergunta que, no dia 26 de outubro deste ano (2016), a estudante Ana Júlia Ribeiro iniciou seu discurso na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. Desde então, além da resposta que a própria Ana Júlia produziu em sua fala, várias outras têm sido apresentadas. Uma delas foi publicada, no dia 29.10.2016, no editorial do Jornal Gazeta do Povo e, segundo o seu conteúdo, a escola pertence “a toda a comunidade: aos alunos e suas famílias, aos professores, aos funcionários. Não a um grupo disposto a fazer todos os demais se curvarem às suas decisões”. A argumentação produzida pelo jornal tem um sentido mais limitativo do que as considerações desenvolvidas pela estudante, pois em nenhum momento de seu discurso ela indicou algum tipo de restrição ou afirmou que a escola pertence apenas aos que estavam envolvidos com as ocupações. 

 

A educação e o mundo

"Na medida em que a criança não tem familiaridade com o mundo, deve-se introduzi-la aos poucos a ele; na medida em que ela é nova, deve-se cuidar para que essa coisa nova chegue à fruição em relação ao mundo como ele é. Em todo caso, todavia, o educador esta aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores, ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação". - Hannah Arendt (1954).
 

Ana Júlia, da mesma forma, não propôs que a escola não pertence ou não deve pertencer aos indivíduos que se posicionaram e posicionam contrariamente ao movimento. Suas ponderações são bem mais amplas e dão conta de ultrapassar os marcos presentes na resposta elaborada no editorial do periódico. Apesar disto, o conteúdo presente no texto do editorial vem sendo bastante corriqueiro quando o assunto em pauta são as mobilizações que têm por mote questionar as atuais propostas e ações do Governo Federal em relação a reforma da educação e a PEC 55, a qual visa reduzir os gastos públicos. ​Por exemplo, abordagem semelhante pode ser encontrada no artigo elaborado pelo advogado René Dotti, publicado no mesmo jornal no dia 09.11.2016. O escrito de Dotti, tem por objeto tratar sobre a ocupação da Universidade Federal do Paraná, recentemente levada a cabo pelos estudantes desta instituição. Ao ler o texto é perceptível que jurista dá um tom um tanto mais agressivo para suas ponderações do que as considerações presentes no editorial antes comentado. Entre outras coisas, afirma que os estudantes rebelados “são apóstolos do fascismo”. Além disso, ainda propõe que em suas movimentações eles estão a subestimar os “princípios e regras do direito para insuflar os caminhos sedutores da anomia”. ​

Ora, do ponto de vista do editorial da Gazeta do Povo a escola não pertence aos estudantes que se organizaram para lutar por mais escola, adotando posturas contrárias aos projetos que querem, sob o disfarce da crise e da necessidade de cortar gastos públicos, menos escolas. Situação que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul onde o governo do estado, para economizar, providenciou o fechamento de algumas turmas e o fim das aulas em alguns turnos. Muito provavelmente os alunos que estão sendo atingidos por esta medida não ficarão passivos diante dela e, com toda legitimidade, deverão expressar seu descontentamento; seja por meio da ocupação das escolas atingidas, passeatas ou outras mobilizações possíveis. ​ Entretanto, segundo o ponto de vista do jurista, caso os estudantes venham a fazer isso, serão transmutados em “ingênuos estagiários do caos” que são cooptados por “facções políticas e ideológicas externas”. De maneira semelhante, do ponto de vista do Jornal Gazeta do Povo, ao protestar, mais detidamente ao ocuparem suas escolas, os estudantes estariam atuando “antidemocraticamente”. 


 

Eufemismos


"O esbulho possessório (eufemisticamente chamado de “ocupação”) da Universidade Federal do Paraná, a mais antiga do Brasil, é um fato abominável e sem precedentes mesmo durante o malsinado regime militar (1964-1985). Mestres e estudantes foram mantidos em cárcere privado e impedidos de ensinar e de aprender. Instigados por facções políticas e ideológicas de origem externa, aprendizes de feiticeiro, apóstolos do fascismo e ingênuos estagiários do caos são apoiados pela omissão ou leniência de autoridades, familiares e de alguns professores da arte de cooptação política, que subestimam princípios e regras do direito para insuflar caminhos sedutores anomia. Mais impressionante é a tentativa de dissuadir os invasores, promovendo um tipo de 'diálogo entre a corda e o pescoço', em vez de acionar o Judiciário". - Trecho de artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo do Paraná em 09.11.2016 de autoria de René Ariel Dotti.
 

Quanto ao conjunto de ponderações desenvolvidas por Dotti a respeito da ocupação da UFPR, além de superficiais são profundamente contraditórias. Uma das contradições do texto está na crítica que o jurista faz ao período ditatorial (1964-1985), o qual define como “malsinado”. Todavia, ao tratar dos estudantes que se envolveram na ocupação, taxa-os com os mesmos termos que os militares e seus asseclas empregavam para detratar os, na época, considerados “inimigos da nação”. Naquele período, recebiam o nome de comunistas, subversivos, os quais, segundo o ponto de vista do regime, eram influenciados por “ideologias externas”. Ideias importadas que não se coadunavam com o Brasil e com um suposto e inventado espírito pacifico e ordeiro do povo brasileiro. Assim, quando um “ilustrado” jurista paranaense, homenageado com uma tal “comenda do mérito judiciário do estado do Paraná em 2015”, escreve que os estudantes que ocuparam a UFPR foram “instigados por facções políticas e ideológicas de origem externa”, está a atualizar posições que eram muito comuns na época da ditadura militar, a qual timidamente qualifica como “malsinada”. Ao fazer isso, ainda que de maneira eufemística, propõe que o Brasil tem nos estudantes mobilizados uma espécie de inimigos internos, os quais vêm sendo tratados com “leniência” pelas autoridades. Além disto, quando postula que eles são influenciados por facções ideológicas externas e que são adestrados por “professores da arte da cooptação política”, está buscando destituir as mobilizações levadas a cabo pelos estudantes de todo seu mérito e transformar os alunos em fantoches de interesses, do seu ponto de vista, escusos.



Manifestação contra o Regime Militar - que venha o amanhã!

Não obstante, é oportuno perguntar: os estudantes que não se envolveram nas ocupações, que adotam as mesmas posições expressadas pelo jurista em seu artigo, não seriam também “aprendizes de feiticeiro”? Não seriam os alunos que assumiram opiniões contrariamente ao movimento de ocupações (por exemplo, o estudante Patrick Gnaszevsky que também discursou na Assembleia Legislativa do Paraná e expressou a sua discordância em relação as ocupações), uma espécie de “ingênuos estagiários” da ordem, portanto, tão cooptados quanto os outros? Data vênia diplomado jurista, há que se usar os mesmos pesos e medidas para tratar do problema.

​Diante das considerações produzidas por René Dotti em seu artigo e do conteúdo do editorial do Jornal Gazeta do Povo, não é estranho que os louvadores do período ditatorial – Jair Bolsonaro, por exemplo – venham recebendo atenção desproporcional a sua importância política e a relevância das posições inscientes que defendem. À vista disto, sempre é adequado lembrar que a história está repleta de fatos demonstrativos de que, mediante a determinadas circunstâncias, discursos de ódio podem encontrar espaços de realização e destruir a tudo e a todos. O exemplo mais paradigmático disto foram as catástrofes produzidas pelo regime nazista na Alemanha há não muito tempo atrás. Desta forma, todo este conjunto de circunstâncias está a demonstrar que a ilustração pela ilustração não serve para muita coisa, pois, ao fim e ao cabo, o condecorado é quase sempre um legitimador do status e do poder daqueles que o homenageiam. 

 

A escola: uma fábrica



"Ora, as ocupações são o equivalente educacional do piquete grevista. Um grupo de estudantes decidiu por conta própria que interromperia as atividades das escolas, impedindo de trabalhar os professores dispostos a tal e bloqueando o direito à educação dos alunos que desejam continuar a ter aulas, independentemente do motivo. Isso nada mais foi que a imposição das convicções de uns a todo um grupo, que sofre as consequências ao ter direitos violados. E aqui voltamos à pergunta de Ana Julia: a quem a escola pertence? Pertence a toda a comunidade: aos alunos e suas famílias, aos professores, aos funcionários. Não a um grupo disposto a fazer todos os demais se curvarem às suas decisões". - Editorial Jornal Gazeta do Povo (29.10.2016)
 

Logo, há que se manter a ordem, pois a distinção está sustentada nela. Outrossim, o Sr. Dotti seria apenas mais um advogado, caso o mundo que o consagrou for questionado e destituído de sua inventada legitimidade  - para entender a distinção, seus significados sociais e culturais sempre é apropriado consultar a obra do sociólogo Pierre Bourdieu. Então, o que os estudantes fazem e vêm fazendo quando realizam ocupações é exatamente questionar aquilo que a fórceps foi histórica e arbitrariamente elaborado como legitimo e legitimado por meio de violências, condecorações, prêmios e internalizações descomprometidas e descompromissadas.  Na sua rebeldia, os estudantes, meninas e meninos de 14, 15, 16 anos – crianças em processo de formação –  questionam a sociedade que os adultos atualmente estão a oferecer para eles e, nas entrelinhas de seus discursos e ações, estão a dizer: este lugar não nos serve! Daí a importância de respeitá-los, pois esperançosamente estão a lutar por um mundo que, do seu ponto de vista, pode ser melhor. Em linhas gerais, mesmo que muitas vezes sem saber e timidamente, caminham em direção ao universo da política e dão os primeiros passos no sentido de construir pontes para uma Novus Ordo Seclorum, uma Nova Ordem do Mundo. Ela causa estranheza a alguns de nós que somos velhos e adultos, mas cabe-nos a tarefa de cuidar para que este ímpeto não esmaeça e que se renove a cada dia. Porém, como adultos que somos, só daremos conta de realizar esta tarefa por meio da educação.


 

Mobilização realizada pelo movimento de ocupações no Paraná


A reflexão também é válida para os estudantes que se posicionam contrários as ocupações. Alguns deles querem indicar que a forma e o método precisa ser repensado. Entretanto, há que se considerar que o objeto e os objetivos, sem grandes dúvidas, estão repletos de méritos e são absolutamente legítimos. Para contrariar o editorial do periódico paranaense novamente, estamos diante de ações que são democráticas em sua realização e motivos, pois democracia não é, nunca foi e a esperança é de que nunca será sinônimo de aceitação passiva. Ser democrático é saber encarar de frente e tentar resolver democraticamente, sem a arbitrariedade da violência, os conflitos que existem numa sociedade que se quer democrática.


 

Fechar é a solução

"O governo do Rio Grande do Sul anunciou nesta quinta-feira (10) o fechamento de turmas e o fim das aulas em alguns turnos da rede estadual de ensino, devido à queda no número de alunos matriculados. Pais de alunos de escolas públicas precisam ficar atentos, como mostra reportagem do RBS Notícias". -  G1 - Portal de Notícias da Globo (10.11.2016).
 

Logo, as tentativas de varrer as revoltas para baixo do tapete, naturalizá-las, exterminá-las pelo uso da força física ou deslegitimar seus objetivos e significados devem ser consideradas atitudes antidemocráticas por excelência. Entretanto, outro problema que faz parte desta equação é o de que, no geral, os que questionam o método e a forma também não veem com bons olhos os objetivos do movimento, assim, adotam posições politicamente conservadoras. Característica que, como veremos em breve, é altamente perigosa. Ainda em relação ao jornal Gazeta do Povo e seu editorial, o problema alcança outras esferas. Além de se demonstrar totalmente contrário as ocupações por considera-las “antidemocráticas”, o editorial faz um comparativo entre elas e um piquete grevista. Alguém deve informar os responsáveis pelo texto que a escola não é uma fábrica, não tem patrões e os alunos não são operários e assalariados. Os estudantes de ensino fundamental e médio que se envolveram ou não nas ocupações são crianças em processo de formação! ​


Para ver carneiros em caixas


Portanto, estamos tratando de dois universos distintos, os quais não estão diametralmente separados um do outro e nem devem estar, mas precisam ser analisados de acordo com suas particularidades. Um deles, o da greve, diz respeito aos adultos e o outro, o das escolas, a crianças, a jovens em processo de formação. A pessoa que for dar esta informação aos editores da Gazeta do Povo, deveria indicar a eles a leitura do livro “O Pequeno Príncipe”, talvez a partir dela aprendam a ver além das aparências (na verdade eles sabem, mas por motivos que não cabe aqui enumerar não lhes é conveniente exercer esta salutar atividade intelectual e social). Assim, apoiados na leitura da história do enigmático príncipe vindo de terras distantes, possam vir a instruir-se na arte de “enxergar carneiros através dos contornos de uma caixa”. Não só, mas também aprendam a cuidar do mundo, caso contrário ele será tomado por Baobás, estas árvores perigosas que – nos alerta o Príncipe –  se não forem cuidadas cotidianamente, podem destruir a tudo. Aqui é importante destacar: cuidar não é sinônimo de extinguir.

​A partir dos assuntos que foram descritos e problematizados até o momento é possível concluir que vivemos em um momento de inquietação e que, atualmente, os universos da política e da educação estão interconectados de uma forma bastante particular. Entretanto, como nos ensina Hannah Arendt, a “educação não pode desempenhar papel na política, pois na política lidamos com aqueles que já estão educados”, ou seja, com adultos. Esta afirmativa não deve levar a conclusão de que as crianças, aqueles que estão em processo de educação, sejam apolíticas e que não possam participar dela. Pelo contrário, pois a partir dela devemos concluir que a política não deve ser a preocupação primordial das crianças, mas a educação sim. A relação entre adultos e crianças deve ser uma relação de aprendizagem, pois a “criança é um ser humano em desenvolvimento e a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta”, isto é, a condição política. Disso resulta que a educação “está entre as atividades mais elementares e necessárias da sociedade humana”, a qual está em constante processo de mudança, de renovação. É por meio do nascimento, da vinda de novos seres humanos ao mundo, os quais “não se acham acabados, mas em um estado de vir a ser” que a renovação acontece. A criança, desta maneira, é o objeto por excelência da educação e é por meio dela que os pais humanos assumem a “responsabilidade pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo".


Baobás, estas árvores perigosas

A escola ocupa um papel importante neste processo, pois é a instituição que “interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo e isto fazemos com o fito que seja possível a transição da família para o mundo”.  Em um primeiro momento, nos seus anos iniciais, é papel da família colocar a criança ao abrigo da luz da vida pública, uma vez que é na “escuridão” do lar que ela encontrará segurança para poder crescer. Na sequência, a tarefa é transferida para escola, a qual se responsabilizará por proporcionar a transição, isto é, junto com a família formar os futuros adultos. Neste caso, ao Estado cumpre a obrigação de proporcionar meios para que a educação e a escola realizem seu papel social e político. Neste momento, a responsabilidade da escola para com a criança, ainda é a educação, mas agora o objetivo é o de preparar a criança para o mundo e a sociedade, seus mistérios, perigos e desafios.

Para dar conta disso, segundo Arendt, a educação, diferentemente da política precisa ser conservadora. A educação deve ser conservadora na perspectiva de preservar o novo que cada criança carrega dentro de si e também no intento de garantir a preservação do mundo como ambiente onde a humanidade se realiza. Em suma, a educação se efetiva a partir da relação entre adultos e crianças e, em política, a relação se dá entre adultos e com iguais. Portanto, qualquer forma de “atitude conservadora, em política – aceitando o mundo como ele é, procurando somente preservar o status quo –, não pode senão levar à destruição, visto que o mundo, tanto no todo como em parte, é irrevogavelmente fadado à ruína do tempo, a menos que existam seres humanos determinados a intervir, a alterar, a criar aquilo que é novo”. Em síntese, a política não deve, mas pode sim destruir o mundo. A educação, contudo, para dar conta do seu fim e do conteúdo que historicamente foi construído em torno dela, deve cuidar da preservação do mundo, o lugar onde a humanidade se realiza e se eterniza. Assim, a infinitude da humanidade é garantida pelo nascimento, pelo surgimento do novo que cada nova geração carrega dentro de si. Entretanto, se a humanidade é eterna o mundo não é, daí a necessidade de o preservarmos.



Responsabilidade coletiva pelo mundo - O lugar no qual a Humanidade se realiza!

Nesta altura da reflexão é importante voltar as considerações do advogado e do jornal anteriormente citados. A aversão deles aos que resolveram intervir, a sua intransigente defesa do status quo, o seu conservadorismo político, historicamente só produziram catástrofes. Nestes termos, a luta dos estudantes, as ocupações, a forma como eles vem se organizando, o choque produzido pela entrada destes jovens em processo de formação na arena política, indica que uma Nova Ordem para o Mundo ainda é possível. Isto tem deixado os soldados que atuam na defesa absoluta da ordem vigente profundamente aflitos e preocupados. Não obstante, para que o novo da nova geração se realize, precisamos aprender que “a tudo destruímos se tentamos controlar os novos de tal modo que nós, os velhos, possamos ditar sua aparência futura. Exatamente em benefício daquilo que é novo e revolucionário em cada criança é que a educação precisa ser conservadora; ela deve preservar essa novidade e introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que, por mais revolucionário que possa ser em suas ações, é sempre, do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e rente à destruição”.


 

Escola e o futuro


"Estamos lá [nas escolas] por um ideal, estamos lá porque a gente acredita no futuro do nosso país. Este país é nosso, vai ser dos meus filhos, vai ser dos filhos dos meus filhos e eu me preocupo com este país!" - Ana Júlia Ribeiro
 

​Munidos destas reflexões, é possível compreender mais adequadamente o sentido e os significados do discurso pronunciado pela estudante Ana Júlia na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná, bem como seus impactos e repercussões. Ao falar o que falou e com a propriedade com que falou, de um lugar tradicionalmente ocupado por adultos e velhos, uma criança de 16 anos mostrou que as responsabilidades devem ser partilhadas. Assim, por mais que os deputados representados pelas intervenções feitas pelo presidente da Assembleia o Sr. Ademar Traiano, queiram lavar suas mãos e usar de sua arbitrária autoridade para se isentarem de determinadas atribuições, como adultos que são, estes homens são e serão eternamente responsáveis pelo mundo que será legado às futuras gerações.

O mesmo vale em relação aqueles que não fazem parte do mundo da política oficial/estatal, mas que politicamente optaram por destituir de sua legitimidade o novo que o movimento de ocupações representa. ​Lugar em que pode ser incluído o pronunciamento do estudante Patrick Gnaszevsky, pois, se prestarmos atenção na sua fala, é perceptível que sua argumentação não consegue ir além daquilo que é óbvio, numa defesa egocêntrica e absoluta da ordem, a partir da qual não há possibilidades de futuro além daquilo que já vigora no presente. Do seu ponto de vista, o amanhã se resume a trabalhar e ganhar dinheiro, sendo que este deve ser o objeto final da escola e da educação.

​Nestes termos, exige o direito de ir a aula, o que parece ser justo, mas não pondera sobre as condições atualmente vividas pelas escolas, professores, funcionários e comunidades onde as escolas funcionam. Não considera, por exemplo, que atualmente no Brasil, um professor recebe "entre 18% a 39% a menos que a média dos profissionais de outras carreiras com o mesmo nível de escolaridade". Assim, partilha da opinião expressa no editorial acima discutido, isto é, pensa a escola como uma fábrica. Há que alertá-lo que uma fábrica onde a matéria prima são seres humanos só pode produzir autômatos e este está longe de ser o sentido e o motivo da educação. 


 

Direitos

"Quando comecei tudo isto aqui, quando quebrei meu silênico, só queria defender o direito dos meus amigos ao estudo, de voltarem para as salas de aula, de não serem prejudicados." - Patrick Gnaszevsky​
 

O mesmo vale em relação aqueles que não fazem parte do mundo da política oficial/estatal, mas que politicamente optaram por destituir de sua legitimidade o novo que o movimento de ocupações representa. ​Lugar em que pode ser incluído o pronunciamento do estudante Patrick Gnaszevsky, pois, se prestarmos atenção na sua fala, é perceptível que sua argumentação não consegue ir além daquilo que é óbvio, numa defesa egocêntrica e absoluta da ordem, a partir da qual não há possibilidades de futuro além daquilo que já vigora no presente. Do seu ponto de vista, o amanhã se resume a trabalhar e ganhar dinheiro, sendo que este deve ser o objeto final da escola e da educação. ​Nestes termos, exige o direito de ir a aula, o que parece ser justo, mas não pondera sobre as condições atualmente vividas pelas escolas, professores, funcionários e comunidades onde as escolas funcionam. Não considera, por exemplo, que atualmente no Brasil, um professor recebe "entre 18% a 39% a menos que a média dos profissionais de outras carreiras com o mesmo nível de escolaridade". Assim, partilha da opinião expressa no editorial acima discutido, isto é, pensa a escola como uma fábrica. Há que alertá-lo que uma fábrica onde a matéria prima são seres humanos só pode produzir autômatos e este está longe de ser o sentido e o motivo da educação. 



 

O valor da docência

"Apesar de ganhos salariais na última década, os professores brasileiros ainda recebem entre 18% e 39% a menos do que a média dos profissionais de outras carreiras com o mesmo nível de escolaridade. Estudo do Inep, instituto ligado ao Ministério da Educação, a partir de dados do IBGE sobre o período de 2004 a 2014, aponta que professores com no mínimo ensino médio completo têm remuneração 18% menor que outros profissionais com a mesma escolaridade. A conta considera uma jornada de 40 horas semanais. A legislação exige nível superior para professores do 6º ano do ensino fundamental em diante, mas admite diploma de nível médio, com formação específica em magistério, para as séries iniciais. Se forem comparados apenas professores com nível superior –a maior parte da categoria–, a diferença em relação a outros profissionais é ainda maior, de 39%". Jornal Folha de São Paulo (14.11.2016)
 

As reflexões produzidas ao longo deste texto, todavia, devem ser estendidas a sociedade como um todo, pois os apoiadores do movimento de ocupações, bem como os que optaram por não se posicionar, também são responsáveis pelo mundo, sua preservação e pela humanidade. ​É importante registrar, por fim, que as palavras da estudante Ana Júlia estão a dizer muitas outras coisas mais, uma delas é que a defesa intransigente e absoluta da manutenção da ordem, do Estado e do direito é altamente destrutiva. Prova mais cabal disto é que hoje no Brasil um preso custa 13 vezes mais caro do que um estudante. Sinal de que, entre outras coisas que não cabe abordar agora, falta investimento público em educação. Portanto, faltam escolas e educadores, isto é, as tais instituições e as tais pessoas que interpomos entre nossas crianças e o mundo e que têm, ainda que muitas vezes sem grande sucesso, o papel e a obrigação de formar adultos responsáveis pelo mundo, pela humanidade e por suas crianças. 


 

​O valor da discência

"Um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil por ano. Alguma coisa está errada na nossa pátria amada. Darcy Ribeiro fez, em 1982, uma conferência dizendo que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás" - Cármen Lúcia (10.11.2016) - Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
 


Discursos dos estudantes Ana Júlia Ribeiro e Patrick Gnaszevski na Assembleia Legislativa do Paraná






Texto originalmente publicado em 14/11/2016 em https://desinsubstancializando.weebly.com/


Jão, tu és eternamente responsável por aquilo que cativas!!!



* Comentários recebidos


RENATA FLORES 16/11/2016 11:12:50 Interessantes reflexões que contam com meu acordo em muitos aspectos. Mas devo dizer que discordo fortemente da leitura que expressa da garotada e de seu envolvimento nesses processos todos... "Na sua rebeldia, os estudantes, meninas e meninos de 14, 15, 16 anos – crianças em processo de formação – questionam a sociedade que os adultos atualmente estão a oferecer para eles e, nas entrelinhas de seus discursos e ações, estão a dizer: este lugar não nos serve! Daí a importância de respeitá-los, pois esperançosamente estão a lutar por um mundo que, do seu ponto de vista, pode ser melhor. Em linhas gerais, mesmo que muitas vezes sem saber e timidamente, caminham em direção ao universo da política e dão os primeiros passos no sentido de construir pontes para uma Novus Ordo Seclorum, uma Nova Ordem do Mundo. Ela causa estranheza a alguns de nós que somos velhos e adultos, mas cabe-nos a tarefa de cuidar para que este ímpeto não esmaeça e que se renove a cada dia. Porém, como adultos que somos, só daremos conta de realizar esta tarefa por meio da educação." Muitas vezes sem saber e timidamente?! Desculpe, mas esse é um subjugo que se equipara ao do editorial do jornal, do jurista... Cuidado, nesse ponto acho a análise bem complicada.

 

MARCIO BOTH 16/11/2016 15:48:54 Prezada Renata, Agradeço por seu comentário e ponderações! Acho que tua observação tem sentido, contudo, quando escrevo que os alunos envolvidos nas ocupações estão a caminhar "muitas vezes sem saber e timidamente em direção ao universo da política e que dão os primeiros passos no sentido de construir pontes para uma nova ordem do mundo", quero destacar que, diferentemente do que afirma a grande mídia, eles não são cooptados. Que esta ingenuidade é frutífera, uma vez que os adultos, em grande parte dos casos, perderam a capacidade de se encantar com o mundo. Esta é a ingenuidade, mas também o encantamento do Pequeno Príncipe que, diante de respostas que não satisfazem sua curiosidade, continua perguntando e que, mesmo pequeno e criança, preocupa-se com o mundo e com os seus (a rosa, os baobás, os vulcões, etc...). Também há uma perspectiva arendtiana na afirmação, pois a política é uma equação que envolve meios e fins, sendo que os jovens que estão em processo de formação, podem ainda não saber ou não estão devidamente informados de que, na maior parte das vezes, em política, os meios podem superar os fins, uma vez que as consequenciais das nossas ações, invariavelmente, são incontroláveis. Enfim, estas são questões interessantes e que merecem maior atenção e tempo de análise. Este é um dos motivos do blog, pois há que se colocar substância nas nossas práticas e reflexões. Volto a agradecer por sua intervenção e seguimos nesta cronópica conversa.

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