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  • Foto do escritorJuliana Wendpap Batista

Drama, eis a questão

Atualizado: 4 de nov. de 2020




Duas leituras, duas peças e uma dupla improvável, trazem à cena a dramaturgia de Harold Pinter e Tennessee Williams. O britânico Harold Pinter é um dos representantes do chamado Teatro do Absurdo, junto a outros grandes nomes como Samuel Beckett, Jean Genet, Eugène Ionesko e escritores brasileiros como Qorpo Santo, Oswald de Andrade. É considerado um mestre em retratar situações frias, desconfortáveis ​​e íntimas, repletas de pausas e coisas não ditas. O estadunidense Tennessee Williams (1911/1983), por outro lado, revelou o Sul de seu próprio país e um estar pesaroso e gótico, de mulheres presas e oprimidas, de noites quentes e tristes, em um país assolado pela grande crise de 1929.


As peças “Noite” (1969), de Harold Pinter, e “Fala Comigo Como A Chuva” (1953), de Tennessee Williams, afloram um sentimento vivenciado com intensidade ao longo da pandemia atual. Em ambas, são retratadas personagens tomadas pela solidão e o conformismo humano em meio a situações insólitas. Willians, mistura fantasia e realidade, retratando a rotina de personagens solitárias, ao passo que Pinter, partindo de um fato aparentemente inocente, faz desembocar uma situação absurda e perturbadora.


Entre semelhanças e distanciamentos, os textos abordam o cotidiano de um casal. Nos dois casos, os indivíduos não são nomeados e apresentam-se apenas como Homem e Mulher, o que sugere uma formalização estética da falta de uma identidade. Na obra de Pinter, “uma mulher e um homem nos seus 40 anos [estão] sentados tomando café”. A princípio, a proposta cênica apresenta o caráter circunstancial da rememoração de um primeiro encontro amoroso. Contudo, a dinâmica do diálogo reverte o conteúdo, depositando nele a dúvida. Nisso, transparece o jogo de memória e a ambiguidade nas falas de seus personagens, os quais disputam pela veracidade de suas posições.


- Veja:


Drama, eis a questão


Fonte: https://www.youtube.com/watch?feature=share&v=zXGnm8y04xA&app=desktop


O drama de Williams desenvolve-se em “Um quarto mobiliado a oeste da Oitava avenida no Centro de Manhattan”. Isso faz denotar certa predileção do autor por quartos de aluguel, um elemento recorrente em seus escritos, o qual traz um aspecto biográfico do autor. Ele pode ser entendido como uma metáfora da condição nômade dos personagens e atua como espaço de exílio para personagens que já não se encaixam em classificações. Ao mesmo tempo, reforça a precariedade financeira dos mesmos. No Brasil, a tradução romancizou o enredo intitulando-o “Fala comigo doce como a chuva”, o que não mudou a percepção da incapacidade de diálogo entre o casal, com falas confusas e dispersas. A reconciliação é uma cena já banalizada pela repetição, um gesto “patético”. Na imagem da mulher, uma feminilidade enganada e frustrada, que busca refúgio fantasiando a própria solidão, num monólogo que suprime o outro.


Nas duas curtas histórias, o privado interpela os processos sociais de individualização e desumanização, impelidos pela passagem de duas guerras mundiais. Em meio a descobertas científicas e inovações da tecnologia, o drama moderno, de Shakespeare ao teatro épico de Bertold Brecht, entre o absurdo, a psicanálise e o realismo, a busca pela reinvenção do humano.



* Em breve disponibilizaremos os áudios das peças "Noite" de Harold Pinter e "Fala comigo doce como a chuva" de Tennessee Wiliams.



Referências

Textos:

FREIRE, Giselle Alves; TOLEDO, Marcio Arnaut de. A tradução de “Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir...”, de Tennessee Williams, pelo Grupo Tapa e seus contextos existencialistas e sociológicos. In: Dramaturgia em foco. Petrolina-PE, v. 3, n. 2, p. 140-154, 2019. Disponível em: https://www.periodicos.univasf.edu.br/index.php/dramaturgiaemfoco/article/view/949, acesso em: 19/08/2020.

LIMA, Mariângela Muraro Alves de, (Org). Imagens do teatro paulista. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/CCSP, 1985.

PINTER, Harold. Noite. Tradução: R. Nóvoa; F. Bohrer. In: O Tablado – Cadernos de Teatro, n. 82, jul/set. 1979. Disponível em: http://otablado.com.br/cadernos, acesso em 13/08/2020.

Rosa, R. V. M. (2012). O cinema implícito em Noite, de Harold Pinter. Magma, (10), 90-97. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1769.mag.2012.48472, acesso em 30/09/2020.

TAYLOR-BATTY, Mark (2017). A “igreja” masculina de Pinter. Sinais De Cena, 63-69. Disponível em: https://revistas.rcaap.pt/sdc/article/view/12601, acesso em 20/10/2020.

TENNESSEE, Williams. Fala Comigo Doce Como a Chuva. Tradução: Vorhees, Maria. O Tablado – Cadernos de Teatro, n. 82, jul/set. 1979. Disponível em: http://otablado.com.br/cadernos, acesso em 13/08/2020.

Filmes:

UMA RUA CHAMADA PECADO. Elia Kazan (Dir.) Estados Unidos: Elia Kazan, Warner Home Video, 1951. 1 filme (122 min.), son., preto e branco, 35mm. Título original: A Streetcar Named Desire. Legendas em português.

THE SERVANT. Joseph Losey (Dir) United Kingdom: Landau Releasing Organisation Elstree Distributors Limited, 1963. (115 min.), son., preto e branco, 35mm. Idioma: inglês.

THE GLASS MENAGERIE (1950). Irving Rapper (Dir.) Estados Unidos: Warner Bros., 1950. (96 min.). Legendas em português.


 

ESCRITO POR:

JULIANA WENDPAP BATISTA

Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense





Confluências


Textos que buscam discutir as questões pelas quais uma equação diferencial é obtida a partir de outra que possui dois pontos singulares, sendo que um desses pontos tende para o outro.

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